Os meus pais são comunistas. Isto começou por criar alguns problemas na escola primária, onde eu não soube reagir da melhor forma nem compreender a razão da animosidade que me dirigiram os ranhosos dos meus colegas quando souberam.
Mas como eles eram muitos e hostis, e eu já atingia a minha quota de porrada diária por outras razões (como por usar óculos e por ter sotaque do Porto) passei a esconder o comunismo familiar como se fosse uma doença vergonhosa e isto durou até encontrar outros colegas de escola, alguns anos mais tarde, que padeciam da mesma enfermidade.
Nessa altura, o desenvolvimento psicológico e crítico próprio da adolescência já me permitiu indagar e reflectir sobre o assunto e, de facto, comecei a admirar a teoria.
A génese filosófica e ética do ideal comunista ilustrada pelos princípios de igualdade e fraternidade é suficiente, creio, para explicar a sua capacidade de mobilização. Quanto mais não seja, sustentou a minha atracção pela ideologia. Mas não implicou que eu fosse incapaz de reconhecer a utopia subjacente a uma sociedade sem classes, sem Estado, baseada na propriedade comum dos meios de produção, com a consequente abolição da propriedade privada e caracterizada pelo controle dos meios de produção pelos trabalhadores através de associações livres de produtores.
Aliás, os próprios comunistas também reconhecem a utopia, parece-me, tendo-se ficado pela primeira fase do Processo Revolucionário, assente em sistemas políticos socialistas, face à impossibilidade de implementar a segunda fase que seria a efectivação de sistemas políticos comunistas.
É verdade que muitos regimes socialistas baseados em ideais comunistas culminaram em abusos de poder e restrições da liberdade inaceitáveis.
Por outro lado, é estúpido negar, no caso português, embora alguns tentem, as preciosas e sofridas contribuições do PCP para o fim da ditadura salazarista e da miséria intelectual e material em que o país se viu afundado por cinco décadas de fascismo.
E não adianta tentar colar o "comunismo" português aos "comunismos" totalitários da China, da Coreia do Norte, etc., porque o "comunismo" português é democrata, defende e lutou pela democracia portuguesa como nenhum outro partido e, acima de tudo nunca sugeriu "suspendê-la", como certa pessoa que neste momento até é candidata a Primeira Ministra fez.
Eu, como portuguesa ciente e orgulhosa da minha história também sofro dessa enfermidade, também estou contaminada pelo vírus do "comunismo", porque acredito que é possível ter liberdade real e socialismo efectivo em Portugal. Não sou, na minha aparentemente antagónica posição, nem anticomunista primária nem pró-comunista cega.
E as aspas acima uso-as porque tenho a teoria de que a denominação dos partidos portugueses (quase todos) é enganadora: seria mais fiel à realidade portuguesa que o PCP se chamasse "Partido Socialista", porque é o que ele é, assim como que o PS se chamasse "Partido Social Democrata", o PSD "Partido Conservador" e o CDS "Partido Nacionalista Cristão".
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