Ê vualá, não é só o Primeiro Ministro que não cumpre com a palavra dada.
Galicismos invertidos inspirados pela minha mana, que acaba de proferir a seguinte afirmação: "O Mário Lino mata o tédio dos meus dias." Ah, e pelo Gato Fedorento, claro, os pioneiros desta ideia.
Pois hoje lá temos festança, com caravanas de políticos, discursos entusiasmados, e quem sabe até um quóqueteile, para comemorar a inauguração do último troço do Eixo Norte-Sul, que vai - finalmente - ligar a Ponte 25 de Abril à CRIL.
Pena que seja para aí com 10 anos de atraso, pena que se tenha desistido do projecto que previa este troço em túnel e principalmente, pena que ninguém se tenha lembrado de articular convenientemente esta mega auto-estrada urbana, de três vias para cada lado, com as envolventes, construindo acessos de jeito e com pés e cabeça, que valorizassem ao menos as acessibilidades aos bairros residenciais circundantes. Ou se calhar sou eu que sou picuinhas e mal agradecida, não sei. Mas acho que não.
O Ministro diz que isto vai beneficiar imensas pessoas e tirar diariamente mais de cem mil veículos da Segunda Circular. Já quem lá vive, está a rezar - força de expressão, que eu nem sei fazer isso - para que tal pesadelo não se concretize.
No meu caso particular, prevejo como benesses óbvias um aumento exponencial das vendas de tampões para os ouvidos na farmácia do bairro e das vendas de tinta branca para disfarçar o castanho acinzentado característico da poluição.
Muito obrigada.
Porque não há pachorra para essa cena da Páscoa, e por outras razões que não são da vossa estimada conta, este fim de semana embrenhei-me em Alfama, para duas noites de fado. Há coisas nesta cidade que nem se sabe que existem. Vidas. Gente que passou por tudo menos por facilidades. Gente que canta e serve às mesas. Gente que ama o fado porque se não amasse não o cantaria assim. Provavelmente não cantaria de todo. Gente com os transtornos no rosto, gente marcada na face pelo passar do desespero. Gente que ainda assim sorri. Que ainda assim te sorri, a ti que nem te conhece, um sorriso exausto mas sincero. Gente que não renega a única herança que lhe coube: o Fado. Gente que não se vê de dia, porque se movem como fantasmas.
Vê-te. Essa gente vê a tua alma sem roupa, traça-te um perfil em segundos e a sina secretamente. Com toda a probabilidade enganam-se. Mas essa história assim nascida fica indelével em ti, fica-te associada e é como te identificarão nas suas rasgadas memórias. Decerto adaptam-te as feições à meia luz, numa pincelada impressionista, e se te virem ao sol, nunca imaginarão que és tu. O teu corpo não interessa, o que lá deixaste é deles.
Esquecem-te, vivem contigo uma noite e esquecem-te, esquecem tudo, todos, noite após noite, todos os rostos diferentes, todos iguais.
Muito tempo depois, quando já ninguém, nem tu, se lembrar de nada, contarão esse teu esboço biográfico, quem sabe num fado, onde no entanto não te reconhecerás.
Há uns anos, um advogado norte-americano contava-me que tinha visitado Lisboa no início de 1975, que nessa altura a cidade estava muito confusa, "something about a revolution", e que a única coisa que se lembrava era da praça onde desembarcou, vindo do Algarve.
"It's a big square by the river side. The train used to stop on the south side and then you'd have to take a ferry boat to the center of Lisbon."
"Oh, that must be Praça do Comércio.", disse eu.
"Yes, I think that's it. At the time it was very dirty, full of propaganda over the walls and the statue."
"Really?! The statue of D. José with his horse was covered with propaganda?!"
"Horse?... Are you sure? I could swear it was an elephant..."