Ontem à chegada, fui acolhida pela deliciosa calidez da noite africana e pelo grupo de amigos com cartazes de boas vindas e abraços apertados. Como é diferente este continente e como me está entranhado na pele de uma forma que é incompreensível para tantos europeus...
Falta-me o deserto. Nunca estive num deserto. Já estive em sítios ermos, naturalmente, mas nunca num deserto a sério. Também nunca tinha sobrevoado África durante o dia, tanto quanto me posso lembrar, e agora que o estou a fazer, perscrutando o Sahara, apercebo-me quão impressionante é um sítio destes, de uma tal extensão que a vista não abrange mesmo a dez quilómetros do chão.
Um deserto é uma maravilha natural tão extraordinária quanto a selva amazónica, a grande barreira de coral na Austrália e os Himalaias. Um deserto é espectacular à sua maneira.
Sempre me fascinou isto de ver o mundo de cima, sempre me desafiou e divertiu tentar identificar posições através das características geográficas. Quem me dera que os pilotos me convidassem para viajar no cockpit e me ajudassem a identificar as cidades e os desertos...
Não há nenhuma evidência de vida. Nenhuma. Voamos há horas sobre o deserto e não há nada que possa fazer supor que alguma forma de vida exista lá em baixo. Portanto o que me puxa para baixo é saber que isso é uma ilusão.
Faltam sensivelmente duas horas e quarenta minutos para aterrar em Lisboa, o que nos coloca sobre a Argélia. "Um ponto preto quebra-me a solidão do olhar." Olhando com mais atenção, vários pontos, em trilhos rochosos. Serão sombras? Miragens?
Voamos há horas sobre um deserto que só sabermos ter limites porque confiamos na cartografia que toda a vida nos impingiram. De outra forma, poderíamos perfeitamente pensar que tínhamos chegado ao infinito. Isto é o infinito.
(Imagem tirada daqui)
Três dias no Kruger Park, África do Sul, onde à beira da estrada (chamemos-lhe assim) se vêem girafas mordiscando as copas das árvores, chitas passeando com lassidão, rinocerontes brancos encaracolando a cauda em sinal de desagrado pela nossa presença, leões observando-nos com interesse, babuínos catando-se, pitons africanas em busca da próxima refeição, águias imponentes sobrevoando a savana.
Por oposição a placards publicitários, sinalização de trânsito, lixo, postes de alta tensão, torres de telecomunicações, sirenes, excesso de gases carbónicos.
Um variação inesquecível.
2 de Maio de 2009, 6:15h, vôo TP261
Aterrámos em Maputo. O sol nasce vermelho, um vermelho africano, levantando-se do Índico. Durante o táxi há silêncio na cabine, um silêncio matinal. Não há um cinto que se desaperte, uma voz que se levante. Apenas um estupor generalizado resultante de dez longas horas nocturnas de desconforto e cansaço.
Finalmente o avião imobiliza-se, os motores adormecem e aí sim, instala-se a azáfama dentro e à volta dele.
Olho a placa ansiosa, a terra firme do outro lado, o chão do oposto hemisfério, onde me aguarda a mulher da minha vida, provavelmente observando algures de um ponto escondido o enorme A340 acabado de chegar. Quero sair daqui.
Acoplam-se as escadas, abrem-se as portas.
Vou descer.
Na minha ausência a blogosfera continuou produzindo-se a bom ritmo, na costumeira existência virtual de que uns vivem e outros nem sabem que existe.
Eu estive numa parte do planeta onde ela quase não tem expressão. Digamos que a própria parte do planeta também não tem lá muita expressão, votada aos confins austrais de um mundo subdesenvolvido.
Para mim a blogosfera não existiu de todo durante os últimos vinte dias, como alguns (poucos, mas bons) aficionados deste blog terão notado, ou apenas surgiu esporadicamente como a vaga memória de uma vivência longínqua.
A ela regressada, claro que não vou ler os cerca de dois mil posts que o Google Reader acusa nas minhas subscrições. Que se lixe o que se passou, quero lá saber. Lerei apenas os blogs dos afectos, dos amigos, que são mais raros e se revestem de uma importância intemporal.
Se já é preciso coragem para voltar a este ritmo frenético e solitário, imagine-se se eu ainda tivesse preocupações de recuperar o que não vivi.
Vou antes recomeçar os hábitos da escrita bloguística de forma nostálgica e vagarosa, porque preguiça é o que sinto, publicando algumas notas de viagem e, com sorte, um punhado de fotografias. Espero que a Cosmo me ajude nisto. Mas só começo amanhã, nem me vou dar ao trabalho de explicar porquê, o leitor que me perdoe, se ainda estiver desse lado.
Inicia-se uma nova fase na vida das autoras deste blog. A Cosmopolita está agora em Moçambique, onde irá permanecer até ao fim de Maio. Depois de um ano e meio profissionalmente difícil, vai-se restaurando a estabilidade na nossa família, muito à custa deste sacrifício dela, de mais uma vez se expatriar.
Eu, por enquanto e até me habituar, na medida do possível, à ausência dela, sinto-me frágil.
O blog No Fim do Mundo... está em modo "over and out".
A sua autora, outra portuguesa em périplo contínuo, agora na Tailândia, passa a inteirar-nos das suas aventuras através do Travel and Notes e das suas crónicas de viagem.
Vale a pena acompanhá-la regularmente.
"Pelas ruas do mundo" é uma série que comecei no ínicio do blog com o objectivo de publicar fotos curiosas captadas em viagem.
Nunca mais lhe dei continuidade, mas hoje é um dia tão bom como outro qualquer para o fazer.
Há um artista informal nas Terras do Grande Lago que faz cata-ventos / rosas-dos-ventos à base de sucata, brinquedos em desuso e outras velharias. Este é o resultado (clique na imagem para aumentar):
Autoria da foto: Cosmopolita
Póvoa de S. Miguel, Moura, Agosto 2008
Há uns anos dei alguns passeios pelo Parque Natural da Tijuca, no Rio de Janeiro. Dizem que a Tijuca é a maior floresta urbana do mundo e eu não me admirava nada se fosse mesmo, a avaliar pelo tamanho da mancha verde que se vê na imagem de satélite.
(Clique na imagem para aumentar)
Esses passeios são visitas guiadas que os turistas contratam, e há uns programas melhores e outros piores, mas quase todos incluem uma caminhada por um ou mais trilhos da floresta. Eu fiz vários, devido a essas armadilhas em que caem os turistas acidentais. Esta resume-se ao seguinte: qualquer que seja o passeio turístico que se contrate no Rio, ele inclui sempre uma visita à Floresta da Tijuca. Se é para ir à Rocinha, o passeio inclui a floresta. Se é para ir fazer um vôo de asa Delta, o passeio inclui a floresta. Se é para ir ao centro histórico, não sei como mas eles arranjam maneira de incluir a floresta.
As empresas que organizam os roteiros vivem na esperança de que ninguém se importe e, de facto, é mais ou menos isso que acaba por acontecer. Mesmo aos turistas que já visitaram a Tijuca basta dizer "Não quero fazer esse trilho porque já o fiz, quero fazer outro." e como há tantos e tantos locais magníficos a explorar, é fácil para os guias redesenharem os percursos.
E, admitamos, a Floresta da Tijuca é dos lugares mais interessantes que se pode visitar naquela cidade, constituindo assim um enriquecimento certo de qualquer roteiro.
Num dos tais passeios eu era a única que falava português de entre um grupo de turistas e, por isso, o guia escolheu-me como interlocutora privilegiada, até porque o meu inglês era muito melhor que o dele e eu ia-o ajudando nas traduções. No meio das explicações sobre a fauna e a flora, referiu que os responsáveis do Parque tinham introduzido duas boas da Amazónia na floresta para ajudarem a controlar a população de macacos.
Não sei se é verdade ou não, mas faz parte desse espírito carioca fascinar o turista com factos radicais sobre a natureza exuberante que constitui o âmago da Cidade Maravilhosa. Isso serve também para desviar a atenção dos problemas sociais da cidade, mas diga-se, em abono da verdade, que há uma cultura notória de defesa do ambiente, da qual é natural que os cidadãos locais se orgulhem e para a qual gostem de chamar a atenção dos turistas.
Não sei se foi mesmo para zelar pela minha segurança (e pelo emprego dele) que decidiu acalmar os meus ímpetos exploradores e me impediu de avançar pela floresta dentro, tentando amedrontar-me com aquela história digna de Pantanal.
Mas para uma amante da vida selvagem como eu, aquele guia escolheu a história certa. Aquelas boas farão sempre parte do meu imaginário sobre a Tijuca e do meu fascínio por uma cidade que é amada pelo povo, que inventa (?) histórias sedutoras e promessas de aventura com o único resultado de a tornar ainda mais bela.
- Convinha passarmos numa farmácia.
- Porquê, de que é que precisas?
- As miúdas estão cheias de piolhos...
- ...
Foda-se, se isso se sabe lá em casa!
- Pois...
Esta foi a conversa entre o meu pai e o amigo, no tal Mercedes que iluminava a noite em que chegámos a Bemposta. Disto já não me lembrava, e foi o meu pai, o único dos dois que ainda é vivo, que agora mo recordou. Para um(a) miúdo(a) naquela época, ter piolhos ou não ter não era nada de extraordinário, à excepção do incómodo da coçadeira. Isto porque a vida das crianças era na rua enquanto os pais estavam a trabalhar e a rua era uma instituição, um mundo misturado, uma experiência, uma escola, um passeio de ricos com pobres das barracas e com as classes do meio, onde, no entanto, as posses relevantes de cada um eram practicamente as mesmas; calçado e roupa, melhor ou pior, uma bola aqui, uma bicicleta ali, mas acima de tudo, os dois brinquedos mais fantásticos que conheci: tempo e imaginação.
Em Bemposta acordámos na manhã seguinte, numa cama grande, os três, eu, a minha irmã e o meu pai, num quarto do andar de cima. Os sinais de luta para escapar ao banho mata-piolhos na madrugada anterior ainda eram evidentes. Estava tudo num pandemónio, as roupas de viagem espalhadas por toda a divisão, ainda húmidas, secando nas costas das cadeiras.
Não havia água canalizada nem luz eléctrica. A higiene pessoal fazia-se sobre bacias. Havia sim, pedras nas paredes, escuras e amontoadas camadas graníticas, aglomeradas, creio, pela mesma mistura de palha e esterco que cobria, lá fora, o chão. Cheiravam a merda. Tudo cheirava a merda. Eu cheirava a Quitoso, que vai dar ao mesmo.
Depois das apresentações à matriarca, que nos fez torradas numa lareira onde eu cabia em pé e nos ofereceu o leite mais nojentamente gordo que tive de ingerir em dias de vida, calçámos as galochas para sair. Sim. Galochas. Quem se lembra delas em apenas duas variantes ponha o dedo no ar. As minhas eram azuis escuras com uma grossa sola amarelo-torrado e as da minha irmã eram vermelhas com sola branca.
Assim que saí à rua, olhando para todos os lados menos para onde devia, senti uma coisa estrebuchar debaixo do pé. Pisei um sapo, que em parte se desfez numa viscosidade verde-clara. Era o que faltava para vomitar o leite ali mesmo, por cima das botas do meu pai, que começava a abeirar-se de um ataque de nervos.
(continua)
Até dia 14!
(cont.) Depois do lauto jantar no Albertino, rebolaram nas suas montadas pela encosta abaixo, sempre de olho no precipício, não fosse aquele engoli-las, e à quinquagésima oitava contracurva as seis e a cadela estavam finalmente de volta ao vale e repousaram mais uma vez à beira do rio.
Rio Zêzere
Poço do Inferno
Covão da Ametade e Cântaro Magro
Lagoa Comprida
Cova da Beira vista da Varanda dos Carqueijais.
Carro da polícia veneziano
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