Por razões profissionais, de sobrevivência e um certo espírito aventureiro, tive de viver por largos períodos da minha vida emigrada. Como referi
aqui, recuso-me a viver com uns míseros tostões ou de subsídios de desemprego e sem trabalho ou feita pária à força pelo próprio sistema que vigora em sucessivos (des)governos no meu País. "O trabalho dignifica o Homem" é uma filosofia de vida que mantenho desde sempre e que tentei transmitir aos meus filhos.
Julgo que ninguém que não tenha estado emigrado pode perceber na sua plenitude o que isto significa. Estar longe dos filhos, pais, amigos, da cultura, da comida, do clima, de tudo o que nos atrai e identifica com um determinado sítio. O desenraizamento, a solidão e a saudade são os sentimentos mais dolorosos que nos avassalam então.
Tenho trabalhado sempre em equipas masculinas e em países em que tenho sido, quase sem excepção, a única mulher estrangeira a trabalhar. Estivemos em sítios que não lembra ao diabo. Convivemos com povos e culturas que são desconhecidos para a maior parte das pessoas. Comemos coisas estranhíssimas e outras maravilhosas. Viajámos em executiva e em aviões a cair de podre e sem manutenção. Vivemos em hotéis de cinco estrelas e em autênticas espeluncas. Apanhámos dos 50 graus à sombra até aos 40 graus negativos e às tempestades de neve que nos conservavam vestidos e sem dormir por 3 dias em aeroportos apocalípticos. Conhecemos técnicos extraordinários e pessoas impolutas e dignas e conhecemos mafiosos e crápulas de toda a espécie.
Chorei muitas vezes em privado, tal era a solidão e o sofrimento que a distância dos meus me causava. Do mesmo modo, nunca vi os meus colegas queixarem-se em público, nem chorar nem deprimir. Eles tinham uma forma própria de combater a solidão: arranjavam namoradas, putas ou outras formas de substituição temporária de afecto.
Ouvi muitas confidências deles. Estavam ali, tal como eu, na frente de batalha, para sustentar as famílias e por falta de oportunidades em Portugal, quer devido à sua profissão, quer devido ao facto de Portugal mal lhes pagar para sobreviverem. Amavam as mulheres, mas desorientavam-se por vezes com outros afectos. Um provável complexo de culpa fazia com que recorressem a mim para tentar expurgá-la à laia de confissões livres de condenação. Sabiam que eu guardaria segredo, que os aconselharia, que não os julgaria à luz de dogmas moralistas. Era como se fossemos uma família em que cada um se preocupava genuinamente com todos e cada um dos outros.
Quando se deu a dissolução da URSS, ouvi muita gente de lá revoltada com a perda da maior riqueza que um País pode ter: a fuga dos seus melhores quadros. Cientistas, quadros técnicos, músicos, ginastas, artistas, escritores.
Em Portugal é ao contrário. Que nos vamos embora é o que nos desejam e incentivam a fazer. Hoje em dia são cerca de 5 milhões os portugueses emigrados, sem que haja fascismo que o justifique. Faz-me sempre lembrar aquela canção de Manuel Freire:
“Ei-los que partemnovos e velhosbuscando a sortenoutras paragensnoutras aragensentre outros povosei-los que partemvelhos e novosEi-los que partemde olhos molhadoscoração tristee a saca às costasesperança em ristesonhos douradosei-los que partemde olhos molhadosVirão um diaricos ou nãocontando históriasde lá de longeonde o suorse fez em pãovirão um diaou não”