Terça-feira, 3 de Março de 2009
O José Mário Silva escreveu um poema sobre mim (ele não sabe, mas ele não tem de saber tudo) e isso não pode passar em branco neste blog (na verdade, há um ano ou dois que ando melhorzinha mas suspeito, a avaliar pelas últimas noites, que o problema está de volta).
insones
Fumam à janela, o vento frio
desfaz o fumo, os dedos tremem.
Não sabem uns dos outros,
espalhados pela cidade, mas
procuram as luzes ainda acesas
noutras casas. Noite dentro,
o silêncio dos que dormem
é uma afronta, desleixo pueril
de quem consegue ignorar
as facadas do tempo, a areia
entre os dedos, o sobressalto.
José Mário Silva, in luz indecisa, Oceanos, 2009, em breve numa livraria perto de si.
Quarta-feira, 30 de Abril de 2008
"A insónia é uma amostra grátis de eternidade."
"O insone é um vivo compulsivo."
(
Brilhantismos insones do
Bandeira, pois quem mais?)
Quinta-feira, 11 de Outubro de 2007
Faz barulho, sim. A noite foi péssima, o frio instalou-se ao nível dos ombros e para trás, na nuca, e ainda exactamente abaixo, no topo das costas, ao centro. E aquele zum. Zuum. Zum. Os pensamentos transformam-se em desvarios paranóicos no nanosegundo inicial, e o primeiro era uma pergunta: como é que assim, sem muito esforço, a brincar a brincar, eu consegui transformar este blog numa valentíssima cagada? Resposta: amanhã emendo(-me). Não volto a escrever sobre cocó.
O segundo tinha a ver com tudo o que eu não fiz e devia ter feito durante o dia (semana? Mês?) de trabalho. Resposta: amanhã faço, mas porra, não pode mesmo passar de amanhã, porque a minha desmotivação começa a ser gritante, facilmente confundível com desleixo, negligência ou até incompetência, e não pode ser, porra, eu nunca fui assim, e só me faltava agora também perder o emprego! Não que alguém se tenha queixado, mas... Mesmo assim. Não gosto nada de mim na minha média eficiência.
O terceiro, que também foi o quinto, o sétimo e o décimo versou inevitavelmente sobre a generalizada obsessão pela coerência. Ninguém entenderá que a falta de coerência persistente se torna, por definição, coerente?! Que não interessa se foi a galinha que pôs o ovo ou nasceu dele? (porque as duas alternativas são legitimamente defensáveis).
Não houve resposta para este.
Finalmente, antes de a nublosa se apoderar por completo do meu raciocínio lógico, ocoreu-me que tudo isto era facilmente solucionado, como mais ou menos dor, mas solucionado, se não houvesse essa linha imaginária a limitar-me, restrição orçamental de seu nome. Não me perguntem o que faria eu com tanto grau de liberdade.
Segunda-feira, 8 de Outubro de 2007
Após um fim de semana não tão longo assim, mas que no entanto deu para apanhar duas bebedeiras moderadas, reviver a excitação de andar de mota com o bónus de (quase) pôr em prática o "vou só comprar tabaco ali à esquina" e nunca mais voltar, pelo menos até ao rebate de consciência que me/nos fez regressar - e a fome e o frio, pronto - , após ainda descobrir aos 35 como uma consola de jogos pode ser divertida (e deslocar ombros), ver o Benfica ganhar à rasca mas
quand même, o Prof. Marcelo enterrar-se mais um bocadinho na sua arrogância autista - que eu nunca o vejo por princípio, já me bastou na faculdade, mas ontem achei que valia a pena por causa do episódio Duarte Lima – e o regresso dos
Gatos com quatro meios-sorrisos e duas quase-gargalhadas, depois ainda de ver pela décima sexta vez as segunda, terceira e quarta partes do
Pretty Woman, ter feito a primeira tentativa de adormecer, com ajuda química e tudo, sem sucesso passadas duas horas, quando finalmente declarei derrota e fui para a sala dar voltas antes no sofá e excitar a gata com brincadeiras semi-violentas – para não ser só eu a não conseguir dormir,
you know, misery loves company and all that – e finalmente acalmar com um filme francês que terminou às 4:40h da manhã e me deixou lavada em lágrimas, mas que felizmente também me deixou exausta e em condições de dormir três horinhas que fossem, aqui estou eu, de volta ao meu gabinete de trabalho,
still not liking Mondays, incapaz de me concentrar e incapaz de me preocupar com o meu nível de produtividade nulo, –
I mean , if no one else cares – mas deveras preocupada por me estar a apetecer ir almoçar ao Mc Donald’s e desejando que a tarde não se arraste eternamente para eu poder ir para casa... ter outra insónia, mas desta vez, na cama.
Business as usual.
Sexta-feira, 24 de Agosto de 2007
... quando já estava exausta da minha própria insónia, quando já não conseguia ler nem mais um parágrafo, apreciar nem mais uma fotografia do World Press Photo Book de 1999, na trigésima segunda volta da sala para o quarto, passei pelas janelas da cozinha e vi que a madrugada se diluía numa luz perfeita para umas boas fotografias. Mas se já estava demasiado cansada para me por a pensar onde tinha a máquina, o que dizer sobre o esforço intransponível de raciocinar sobre a velocidade de obturação e a abertura do diafragma...
Quando me levantei às 8:45h, doeu-me mais do que é costume abrir os olhos por também verificar que a suavidade da luz e o enquadramento poético se tinham perdido na agressividade habitual do urbanismo selvagem. O lago dos patos já não parecia um espelho, e as obras lá do fundo, as que me limitam o horizonte, já estavam cobertas da mesma fealdade poeirenta de sempre. Nem as silhuetas das gruas se safavam, por terem perdido esse perfil sombrio e essa posição de descanso geométrico, e recuperado a cor de metal transitório e um desagradável movimento dessincronizado.
A vida também é feita de oportunidades perdidas. No meu caso, aquelas a que o sono ganha.
Terça-feira, 24 de Julho de 2007
Tornei-me insone.
Creio que a perturbação começou quando inadvertidamente reciclei a lista das compras.